quarta-feira, 13 de outubro de 2021

«Carnes Gordas»; Ana Cássia Rebelo

 Carnes gordas

    Desmembrei, desmanchei e desossei. Guardei as carnes magras na arca frigorífica, separadas em doses individuais. Salguei as carnes gordas. Ao longo de um ano preparei refeições variadas. Feijoadas, croquetes, suflês, cozidos simples, mas também pratos étnicos de difícil confecção. Com as miudezas fiz canjas perfumadas. Cozinhei os miolos à moda alentejana – primeiro fritos em banha, depois misturados com pão e sumo de laranja. Uma autêntica iguaria. Num domingo de muito sol, resolvi cozinhar para as mulheres do apartamento, sete ao todo, duas marroquinas, uma brasileira, três dominicanas e eu. Servi um guisado apurado com nabos, cenouras e batatas novas. A brasileira encheu o prato três vezes. Alegres do vinho, animadas, cantámos canções da Beyoncé, da Rihanna e da Dua Lipa. Foi um domingo bem animado. Tive especial atenção à preparação do coração. Depois de muito ponderar, decidi laminá-lo em fatias muito finas com uma faca santokuTemperei-as com limão, mostarda, molho inglês e, em carpaccio, servi-as com cuscuz. [...]    [Micro-conto, incompleto]

Ana Cássia Rebelo, Babilónia, 2021, pp. 63-64

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