sexta-feira, 11 de março de 2022

Ameixa seca (Balada da); O'Neill

 BALADA DA AMEIXA SECA

Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P’ra o intestino a ameixa é levada da breca!

O mal do Ocidente – quem há que não o sinta? –
é não ter a tripa sempre limpa.

Com seus altos valores, o Ocidente
dá por demais ao dente, dá por demais ao dente.

Põe-me os olhos nos povos que só comem arroz:
dão melhores guerrilheiros do que nós.

Um saquitel de arroz, uma biciclet’,
arma na bandoleira – e lá vai o viet.

«Noss’povo», ao contrário, come o que apanha à mão.
Até parece fome de muita geração!

E larga, já comido, o corpo em qualquer canto.
Sonha Terceiro Mundo e é Europa, entretanto.

Encostado ao sobreiro ou ao ficheiro,
«Noss’povo» já nada tem de marinheiro.

Sua tripa, represa, é trabalhosa.
Sua prosápia já só é má prosa.

Portugal-do-casqueiro à Europa-das-latas
manda cortiça, vinho, diplomatas.

Espera contrapartidas: sol-e-vistas
é cartaz que atrai muitos turistas.

Mas com a ameixa seca – coisa pouca! –
é que pode acordar sem amargos de boca.

Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P´ra o intestino a ameixa é levada da breca!


de As horas já de números vestidas, 1981; copiado daqui: 


https://alexandreoneill.bnportugal.gov.pt/as-horas-ja-de-numeros-vestidas/