segunda-feira, 15 de abril de 2019

«O idioma do Café» - J. L. Barreto Guimarães


[é um três (recentes) livros de poesia que veio, para a Zmab, com a lista das 12 Narr.s; também viajou diariamente, entre o GLH e a E. do Paraíso, para leituras dispersas, face à sua amplitude...; 
- o que se transcreve é o último de uma pequena série seleccionada, sobre o MOtivo do Café

20 de Junho

PRIMEIRAS HORAS da manhã. Um Café está sempre à espera, as palavras demoram-se e conversam sobre a mesa, usando o espaço do ar para tocar na fala de outros, contribuindo para criar pelo cruzamento de sílabas, palavras hermafroditas de sentido fragmentário, o idioma do Café.
O burburinho gerado fala uma língua própria, somente inteligível pelo empregado de mesa. Vejo-o serpentear pela sala num jogo de decifração, escutando na mesa da frente a resposta à pergunta lançada na mesa anterior, descodificando murmúrios, traços de inconfidências, irreveláveis segredos.
A moeda sob o recibo vai comprar o seu silêncio.
                                                            
Porto, Café Corcel, 1994-1995
[sublinhados acrescentados]

João Luís Barreto Guimarães, O tempo avança por sílabas, Quetzal, 2019, p. 41 (de Lugares comuns, 2000)