quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

«Não sabe a nada»

Não sabe a nada, repetia o marido, antes de se levantar da mesa e se esparramar no sofá, lendo o jornal desportivo. Mordia o lábio, engolia em seco.
Aprendera a cozinhar com a mãe. Não falhava nos tempos, nos temperos e nos apuros. Dia após dia, insistia. Servia-o, expectante.
Não sabe a nada.
Na hora, apetecia-lhe despejar o frasco do piripiri no cozinhado seguinte. Mas insistia. Dia após dia. O elogio viria, um dia. 
Enlouqueceu antes disso.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Feijão, batatas, cebolas...

Feijão, batatas, cebolas, arroz, repetia pelo caminho. Nem mãe nem filho sabiam escrever. 
Fascinante, o equilíbrio do lápis dos fiados na orelha do merceeiro. Cai e rola, ordenou-lhe mentalmente. Não caía. O sr. Zé  baixou-se para aviar batatas. Um piparote e o lápis rolou, ficando oculto no canto das vassouras. O merceeiro, pressionado pela Alzira, foi buscar outro. Apanhou-o e guardou-o na sacola. 
Escondeu-o da mãe. Cheirava divinamente. Sempre que o perdia, pelo cheiro o fazia reaparecer.