quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

SATÉLITE OU «aroma navegável do cimbalino»; (Inês Lourenço)

 [de um dos dois livros de poesia que vieram na Mala, para a Zmab]

SATÉLITE

Os meus olhos acolhem um bando
de reflexos, invisíveis a horas
mais sombrias, na luz aberta
deste fim de Junho. Vêm ao meu 
encontro os grandes plátanos do
jardim, ameaçados pelas
prováveis escavações do Metro.
Por ora ainda matizam os rostos
dos passantes e a penumbra das
janelas. No passeio das paragens
de autocarro para Ermesinde,
Areosa e outros debruns urbanos,
o volume dos corpos recorta-se
quadriculado pela luz. Seios e
estômagos transferem-me para 
um estranho país de aleitamento e
digestões. Sigo num culpado 
exílio a dobrar a esquina e inclino
os passos para o Satélite, onde 
regresso ao aroma navegável 
do cimbalino.

   Inês Lourenço, Dois cimbalinos escaldados - Vivências Portuenses - Antologia Poética, 2021, p. 17

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