segunda-feira, 20 de maio de 2019

«figos do inverno», Júdice

Estrelas

Desfaço nas mãos os figos, os figos
fugazes de setembro, enquanto o seu leite
escorre pelas folhas verdes que
os envolvem. Esses figos, que me traziam
em cestos de vime, eram mel na boca
que os saboreava. Secos, iam parar
aos frascos fechados para o inverno, de onde
os tirava para os meter no bolso,
antes de sair. «O que tens aí?», perguntavas-me. E
eu passava-te para a mão um desses figos, e via
como o abrias, chupando os seus grânulos,
e passeando na boca a amêndoa que
o recheava. Onde estarás?, pergunto. Poderia
ainda hoje partilhar, contigo, um
desses figos de inverno? Ou o seu leite secou,
nos cantos dos lábios, roubando-te 
as palavras, e o húmido murmúrio
do amor?

Nuno Júdice, Pedro, lembrando Inês, 2001, p. 20

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