quarta-feira, 29 de outubro de 2025

«A última ceia», M. do R. Pedreira

 - [foi há um ano...];

- um dos poemas dito e comentado em «O Amor é», de 26 de OUT, «As palavras de José Cardoso Pires e de Maria do Rosário Pedreira»

A Última Ceia

Trouxe as palavras e colocou-as sobre a mesa.
Trouxe-as dentro das mãos fechadas (alguns disseram
que apenas escondia as feridas do silêncio).

Pousou-as na mesa e começou a abri-las devagar,
tão devagar como passa o tempo quando o tempo
não passa. E depois distribuiu-as pelos outros,
multiplicou-se em dedos, em palavras (alguém disse
que chegariam a todos, ultrapassariam os séculos e 
teriam a duração do tempo quando o tempo perdura).

Ceou com todos pão que não levedara e vinho áspero
das videiras magras do monte que os ventos dizimavam.
Quando se ergueu, havia ainda palavras sobre a mesa,
coisas por dizer no resto do pão que alguém deixara
feridas fundas nas mãos que fechou em silêncio e devagar.

Perto dali uma figueira florescia. À espera.

                Maria do Rosário Pedreira, Poesia reunida, 2012, p. 22 (de A casa e o cheiro dos livros, 1996)

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