terça-feira, 12 de maio de 2015

A Mão que suspende o Púcaro

        [...]  «É sabido que Baltasar vai beber, mas não se embriagará. Bebe desde que soube da morte do padre Bartolomeu Lourenço, triste morte, foi um abalo muito grande, como um terramoto profundo que lhe tivesse rachado os alicerces, deixando embora, à superfície, as paredes aprumadas. Bebe porque constantemente se lembra da passarola, lá na serra do Barregudo, numa encosta do Monte Junto, quem sabe já encontrada por contrabandistas ou pastores, e só de pensar nisso sofre como se o estivessem a apertar no potro. Mas, bebendo, sempre chega o momento em que sente pousar sobre o seu ombro a mão de Blimunda, não é preciso mais nada, está Blimunda sossegada em casa, Baltasar pega no púcaro cheio de vinho, julga que o vai beber como bebeu os outros, mas a mão toca-lhe no ombro, é uma voz que diz, Baltasar, e o púcaro volta à mesa intacto, os amigos sabem que não beberá mais nesse dia.» [...]

José Saramago, Memorial do Convento,51.ª ed., 2011,  pp. 315, 316

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