quarta-feira, 2 de outubro de 2024

«O museu dos queijos», Palomar, Calvino

  - [outro(s) recorte(s) de uma das releituras do momento: Palomar, de I.Calvino]:

     O senhor Palomar está na bicha de uma loja de queijos, em Paris. Pretende comprar certos queijinhos de cabra que se conservam em óleo dentro de pequenos recipientes transparentes, temperados com especiarias várias e com certas ervas. [...] 
    Uma sombra de cumplicidade viciosa paira sobre o ambiente: o requinte gustativo e sobretudo o requinte olfactivo  conhecem os seus momentos de abandono, de fácil sedução, nos quais, os queijos, sobre os seus tabuleiros, parecem oferecer-se como se estivessem sobre os divãs de um lupanar. Um esgar perverso aflora no regozijo com que se avilta o objecto da gula, atribuindo-lhe epítetos infamantes: crottin, boule de moine, bouton de culotte. [...]
     [...] Esta loja é um museu: ao visitá-la, o senhor Palomar sente, tal como no Louvre .que por detrás de cada objecto exposto está a presença da civilização que lhe deu forma e que lhe toma forma. [...] 
    Esta loja é um dicionário; a língua é o sistema dos queijos no seu conjunto ; uma língua cuja morfologia regista declinações e conjugações com inumeráveis variantes e cujo léxico apresenta uma riqueza inesgotável de sinónimos, usos idiomáticos, conotações e cambiantes de significado, como todas as línguas alimentadas pela contribuição de cem dialectos. [...]

[sublinhados acrescentados; do texto «O  museu dos queijos», 2.º de  «Palomar vai ás compras» (II «sub-parte» da II parte, «PALOMAR NA CIDADE»)

Italo Calvino (1923-1985), Palomar [1983], 2021, D. Quixote, pp. 89 - 92

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