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Os pequenos deuses que dormem nas coisas prosaicas protegem
as mais incertas. Isto a propósito de uma canja. Conto. Um dia o mundo
desabou-me em cima e uma amiga disse-me: oh, senta-te aí que te vou fazer uma
canja com gengibre e hortelã. Fez e eu comi. Depois veio o sono – que é a asa
de um anjo – e levou-me pela noite adentro. Convém explicar que o mundo me desaba
em cima com regularidade e num destes dias pensei: oh, uma canja, havia de
fazer uma canja. Fui procurar nos recessos da arca frigorífica e encontrei com
quê. Uma sorte. E umas folhas de hortelã. É certo que nem sempre baixam as asas
dos anjos mas soube-me bem.
Ivone Mendes da Silva, Dano e virtude, Língua Morta, 2017 (Julho), p. 132, 133
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