sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

«frango à Cafreal» OU «a malícia do jindungo»

 - [de manhã, no RT, atingida a p. 135, de 284]

RECORTE(s):

      Depois de o alferes Campelo ter disciplinado o Zacarias, o soba convidou-o para jantar em sua casa. Tratava-se de uma cubata como as outras, mas tinha o telhado de zinco para mostrar riqueza e prestígio. «O homem cozia lá dentro, o zinco tornava a casa um forno. Casa como quem diz. O chão era de terra e tinha uma única divisão. A mulher fez-nos frango à cafreal mas não se sentou connosco [...] Foi o tête-à-tête mais estranho da minha vida. O soba dava-se ares de importância, entre garfadas, cruzava os braços e erguia o queixo como quem responde que sim, sim, mas eu só lhe dizia banalidades sobre o tempo, a beleza da cubata, [...] A terra debaixo das cadeiras estava escura das pingas do nosso suor e do molho do frango. O molho! Era fogo, era inclemência. Era a malícia do jindungo. E eu tive de comer o frango até ao fim. Enquanto o suor me escorria pela testa, costas, pernas. Enquanto me escorria pelas virilhas. Quando a refeição acabou, o solo estava ensopado. Tínhamos largado o suor das nossas almas. [...]»
                                                  Afonso Reis Cabral, O último avô, pp. 130-131
[OUTRO]

terça-feira, 25 de novembro de 2025

«Jantar de Gala» (de «O Barman do Ritz»)

 - RECORTE(s):

[16 de agosto de 1940]
[...] Do outro lado da Galeria das Maravilhas, estão todos reunidos no Salão Vendôme. onde o embaixador nazi em Paris, Otto Abetz, dá um jantar de gala em honra da nova amizade franco-alemã. [...] Vieiras salteadas com creme de açafrão como entrada, ovos de codorniz escalfados com caviar - Frank roubou dois na cozinha, deliciosos - , noisettes de borrego Eduardo VII, puré de alcachofra e nabos novos glaceados, acompanhados de Château Ausone de 1900. Para terminar, um crocante de calvados e o seu granizado de Fine de Champagne, com uma taça de Roederer Cristal.

    Philippe Collin, O barman do Ritz, p. 55

domingo, 16 de novembro de 2025

Sábado +e dia de peixe («de «O ouro dos corcundas»)

  - [lido pelas manhãs, nos Transp., está a levar tempo a terminar; alcançada a p.  [de 279]

RECORTE(s):

    Naquela noite, a taberna do Pasquino fervilhava de povo, em considerável algazarra e algaraviada, como se participassem num leilão de frangos e bácoros no adro da igreja, em dia de arraial festivo. Bebiam e comiam à tripa forra, petiscando iscas de bacalhauore

                                          Paulo Moreiras, O ouro dos corcundas, p.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Caves («O Barman do Ritz»)

 [quase terminado...]
RECORTE(s):
[2 de fevereiro de 1944]
[...] Frank esperava sentir uma emoção ao reencontrar a sua cave, mas, ao acender a luz, é tomado por uma vertigem. Aquilo não é uma cave, é uma verdadeira caverna de Ali Babá. Devem estar aqui, pelo menos, cem mil garrafas! Tinha-se esquecido de tamanha abundância. Lembra-se agora de que foram precisas seis semanas para mudar tudo de sítio - Luciano havia sido requisitado para ajudar todas as manhãs, e agora Frank percebe porquê. Percebe, sobretudo, que, [....[ se os três alemães puserem as mãos naquele tesouro [...] a pilhagem será quase certa. Mas como escolher? Anda lá, Frank, deixa o instinto falar. Começa com um Krug 1911, uma colheita quase extinta, uma verdadeira peça de museu. Depois, dois meursaults. Guarda cuidadosamente as garrafas na mochila, embrulhando-as em papel kraft [...] Passa pelos vinhos de Bordéus e repara num haut-brion  1921, Acaba por pegar num pétrus 1909. Menos de dois minutos, ainda tem tempo de ir à Borgonha, onde apanha um romanéee-conti 1933. Estava prestes a subir quando ouve aquele sotaque gutural que se tornou tão familiar;
       - E, cá em baixo, o que há?
    E merda. O tenente atarracado está cheio de zelo. Frank sente o pânico a apoderar-se de si. Que lhes vai dizer? Cem mil garrafas - como poderão justificar aquilo? [...]

    Philippe Collin, O barman do Ritz, p. 233-234

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

«A última ceia», M. do R. Pedreira

 - [foi há um ano...];

- um dos poemas dito e comentado em «O Amor é», de 26 de OUT, «As palavras de José Cardoso Pires e de Maria do Rosário Pedreira»

A Última Ceia

Trouxe as palavras e colocou-as sobre a mesa.
Trouxe-as dentro das mãos fechadas (alguns disseram
que apenas escondia as feridas do silêncio).

Pousou-as na mesa e começou a abri-las devagar,
tão devagar como passa o tempo quando o tempo
não passa. E depois distribuiu-as pelos outros,
multiplicou-se em dedos, em palavras (alguém disse
que chegariam a todos, ultrapassariam os séculos e 
teriam a duração do tempo quando o tempo perdura).

Ceou com todos pão que não levedara e vinho áspero
das videiras magras do monte que os ventos dizimavam.
Quando se ergueu, havia ainda palavras sobre a mesa,
coisas por dizer no resto do pão que alguém deixara
feridas fundas nas mãos que fechou em silêncio e devagar.

Perto dali uma figueira florescia. À espera.

                Maria do Rosário Pedreira, Poesia reunida, 2012, p. 22 (de A casa e o cheiro dos livros, 1996)

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

American Beauty («O barman do Ritz»)

 - [R. não era um Barman «típico»...; no ano - de out a out, 85 - 86 -  em que «oficinou» no Bar do H. A. P., histórico, nos REST.es, ouviu vários clientes que tinham lido sobre o hotel, na II Guerra...; atingiu agora a p. 120 desta narrativa situada em «ambiente idêntico»]

RECORTE(s):

[28 de setembro de 1940]
[...] Durante estas horas mortas, resta, felizmente, aperfeiçoar a aprendizagem de Luciano. Não se inventam novas receitas quando não há ânimo, mas podem rever-se os clássicos.
      - [...] A receita de um American Beauty?. Estou a ouvir-te.
      - Primeiro pega-se num copo largo grande - recita Luciano - Verte-se uma colher de chá de creme de menta branca e outra de xarope de romã. Depois junta-se o sumo de uma laranja espremida, meio copo de vermute francês e outro de conhaque. A seguir enche-se com gelo picado e agita-se bem no shaker. Verte-se num copo previamente arrefecido e decora-se com frutas da época. Está bem?
       - Não. Concentra-te. Está a faltar alguma coisa. O segredo.
      - Ah, claro! A especialidade do senhor Meier. Uma lágrima de porto tinto por cima.
      - Isso mesmo. E serves com uma palhinha e uma colher.
      - Claro.
      E agora a receita do Blue Bird. [...] 

    Philippe Collin, O barman do Ritz, p. 69

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

«Estar a morrer de sede!» (M. E. C.)

 - Recorte(s) da Crónica de hoje de M. E. C., «O jejum dos malandros»:
[...]
É um desperdício matar um jejum com sopa e pão. É esse o papel da sopa: assassinar o apetite da forma mais barata e estofadora, para o comensal partir já cheio para os petiscos mais dispendiosos que se seguem.[...]
Deveríamos ordenar o apetite como um cartaz de cinema: a estrela da refeição tem de ocupar o primeiro lugar, seguido, por ordem de estrelato, pelo resto do elenco.[...] O estúpido do organismo ainda não saiu das cavernas. Está sempre convencido de que estamos à beira de morrer de fome: exploremo-lo enquanto podemos [...]

sábado, 13 de setembro de 2025

«a taberna do Pasquino» (Paulo Moreiras)

 - devolvido por Mon., que «desistiu», devido sobretudo aos «contextos» e ao vocabulário «arcaizante»...; de manhã, no RTA, atingida a p. 67 [de 279]

RECORTE(s):

    Naquela noite, a taberna do Pasquino fervilhava de povo, em considerável algazarra e algaraviada, como se participassem num leilão de frangos e bácoros no adro da igreja, em dia de arraial festivo. Bebiam e comiam à tripa forra, petiscando iscas de bacalhau, orelheira com alho e cebola, morcela assada, azeitonas ou farrapos de presunto de porco-montês, o vinho escorria em cornucópia a saciar sequiosas gorgomileiras. Nas mesas jogava-se aos dados ou a jogos acascarrilhados de cartas, como o voltarete ou a arrenegada, com bastante agitação e tumulto, pelas sortes e azares que a fortuna ditava, pelos dinheiros que num ape mudavam de mãos.

                                          Paulo Moreiras, O ouro dos corcundas, p. 63

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

SATÉLITE OU «aroma navegável do cimbalino»; (Inês Lourenço)

 [de um dos dois livros de poesia que vieram na Mala, para a Zmab]

SATÉLITE

Os meus olhos acolhem um bando
de reflexos, invisíveis a horas
mais sombrias, na luz aberta
deste fim de Junho. Vêm ao meu 
encontro os grandes plátanos do
jardim, ameaçados pelas
prováveis escavações do Metro.
Por ora ainda matizam os rostos
dos passantes e a penumbra das
janelas. No passeio das paragens
de autocarro para Ermesinde,
Areosa e outros debruns urbanos,
o volume dos corpos recorta-se
quadriculado pela luz. Seios e
estômagos transferem-me para 
um estranho país de aleitamento e
digestões. Sigo num culpado 
exílio a dobrar a esquina e inclino
os passos para o Satélite, onde 
regresso ao aroma navegável 
do cimbalino.

   Inês Lourenço, Dois cimbalinos escaldados - Vivências Portuenses - Antologia Poética, 2021, p. 17