quarta-feira, 29 de outubro de 2025

«A última ceia», M. do R. Pedreira

 - [foi há um ano...];

- um dos poemas dito e comentado em «O Amor é», de 26 de OUT, «As palavras de José Cardoso Pires e de Maria do Rosário Pedreira»

A Última Ceia

Trouxe as palavras e colocou-as sobre a mesa.
Trouxe-as dentro das mãos fechadas (alguns disseram
que apenas escondia as feridas do silêncio).

Pousou-as na mesa e começou a abri-las devagar,
tão devagar como passa o tempo quando o tempo
não passa. E depois distribuiu-as pelos outros,
multiplicou-se em dedos, em palavras (alguém disse
que chegariam a todos, ultrapassariam os séculos e 
teriam a duração do tempo quando o tempo perdura).

Ceou com todos pão que não levedara e vinho áspero
das videiras magras do monte que os ventos dizimavam.
Quando se ergueu, havia ainda palavras sobre a mesa,
coisas por dizer no resto do pão que alguém deixara
feridas fundas nas mãos que fechou em silêncio e devagar.

Perto dali uma figueira florescia. À espera.

                Maria do Rosário Pedreira, Poesia reunida, 2012, p. 22 (de A casa e o cheiro dos livros, 1996)

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

O Barman e o Aprendiz

 - [R. não era um Barman «classificável»...; no ano - de out a out, 85 - 86 -  em que «oficinou» no H. A. P., histórico, nos REST.es, ouviu vários clientes que tinham lido sobre aquele hotel, na II Guerra...; atingiu agora a p. desta narrativa situada em «ambiente idêntico»]

RECORTE(s):


quarta-feira, 1 de outubro de 2025

«Estar a morrer de sede!» (M. E. C.)

 - Recorte(s) da Crónica de hoje de M. E. C., «O jejum dos malandros»:
[...]
É um desperdício matar um jejum com sopa e pão. É esse o papel da sopa: assassinar o apetite da forma mais barata e estofadora, para o comensal partir já cheio para os petiscos mais dispendiosos que se seguem.[...]
Deveríamos ordenar o apetite como um cartaz de cinema: a estrela da refeição tem de ocupar o primeiro lugar, seguido, por ordem de estrelato, pelo resto do elenco.[...] O estúpido do organismo ainda não saiu das cavernas. Está sempre convencido de que estamos à beira de morrer de fome: exploremo-lo enquanto podemos [...]

sábado, 13 de setembro de 2025

«a taberna do Pasquino» (Paulo Moreiras)

 - devolvido por Mon., que «desistiu», devido sobretudo aos «contextos» e ao vocabulário «arcaizante»...; de manhã, no RTA, atingida a p. 67 [de 279]

RECORTE(s):

    Naquela noite, a taberna do Pasquino fervilhava de povo, em considerável algazarra e algaraviada, como se participassem num leilão de frangos e bácoros no adro da igreja, em dia de arraial festivo. Bebiam e comiam à tripa forra, petiscando iscas de bacalhau, orelheira com alho e cebola, morcela assada, azeitonas ou farrapos de presunto de porco-montês, o vinho escorria em cornucópia a saciar sequiosas gorgomileiras. Nas mesas jogava-se aos dados ou a jogos acascarrilhados de cartas, como o voltarete ou a arrenegada, com bastante agitação e tumulto, pelas sortes e azares que a fortuna ditava, pelos dinheiros que num ape mudavam de mãos.

                                          Paulo Moreiras, O ouro dos corcundas, p. 63

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

SATÉLITE OU «aroma navegável do cimbalino»; (Inês Lourenço)

 [de um dos dois livros de poesia que vieram na Mala, para a Zmab]

SATÉLITE

Os meus olhos acolhem um bando
de reflexos, invisíveis a horas
mais sombrias, na luz aberta
deste fim de Junho. Vêm ao meu 
encontro os grandes plátanos do
jardim, ameaçados pelas
prováveis escavações do Metro.
Por ora ainda matizam os rostos
dos passantes e a penumbra das
janelas. No passeio das paragens
de autocarro para Ermesinde,
Areosa e outros debruns urbanos,
o volume dos corpos recorta-se
quadriculado pela luz. Seios e
estômagos transferem-me para 
um estranho país de aleitamento e
digestões. Sigo num culpado 
exílio a dobrar a esquina e inclino
os passos para o Satélite, onde 
regresso ao aroma navegável 
do cimbalino.

   Inês Lourenço, Dois cimbalinos escaldados - Vivências Portuenses - Antologia Poética, 2021, p. 17