- mais um excerto do Conto de Clarice:
[...] Junto do prato de
cada mal-convidado, a mulher que lavava pés de estranhos pusera – mesmo sem nos
eleger, mesmo sem nos amar – um ramo de trigo ou um cacho de rabanetes ardentes
ou uma talhada vermelha de melancia com seus alegres caroços. Tudo cortado pela
acidez espanhola que se adivinhava nos limões verdes. Nas bilhas estava o
leite, como se tivesse atravessado com as cabras o deserto dos penhascos.
Vinho, quase negro de tão pisado, estremecia em vasilhas de barro. Tudo diante
de nós. Tudo limpo do retorcido desejo humano. Tudo como é, não como
quiséramos. Só existindo, e todo. Assim como existe um campo. Assim como as
montanhas. Assim como homens e mulheres, e não nós, os ávidos. Assim como um
sábado. Assim como apenas existe. Existe. [...]
Clarice Lispector, «A repartição dos pães»
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