FRUTA
E PEQUENO-ALMOÇO
E chega a vez das frutas.
São elas que enobrecem a
impureza dos dentes,
as cavidades ocultas,
todo o oco do ouro exibido
pelos pobres
em tempos menos austeros, em
pequenas rodas da fortuna
que se traz na boca, um
açaime com poder.
Sobre a mesa, olho ainda as maçãs no escuro de Clarice,
a outra, inaugural,
vermelha, de Sophia, numa pausa em que a escrita
pode ainda derrubar os cálices de ambrósia na cozinha,
e me põe a mastigar o sumo das sílabas
solares.
Porque há o sol sublimepode ainda derrubar os cálices de ambrósia na cozinha,
e me põe a mastigar o sumo das sílabas
solares.
e a manhã ainda é um nome, disse outra poetisa,
surgindo em colação.
Oh, o sopesar das laranjas da infância, sugadas até à casca.
O fabricar dessa música
dourada
a plenos pulmões, engasgava-me de vida,
uma tonta criança de triciclo,
tão só a pedalar com os gomos na garganta,
abrindo pela solidão adentro uma estrada só de fruta,
frágeis mãos ao volante, garoto alucinado.
Caminho dividido pela penumbra da sala, pela polpa da memória,
mas escondo eu a faca que reparte,
o gume agudo e bruto,
a sede de justiça nos pomares, a balança infantil
das mãos de deus?
Sentado penso melhor,
a sofreguidão fez com que empurrasse o
diaa plenos pulmões, engasgava-me de vida,
uma tonta criança de triciclo,
tão só a pedalar com os gomos na garganta,
abrindo pela solidão adentro uma estrada só de fruta,
frágeis mãos ao volante, garoto alucinado.
Caminho dividido pela penumbra da sala, pela polpa da memória,
mas escondo eu a faca que reparte,
o gume agudo e bruto,
a sede de justiça nos pomares, a balança infantil
das mãos de deus?
para o sumo,
apalpo agora o veludo do pêssego,
ensino à língua o sabor do outono, a suave alquimia
das figuras demoradas,
a melodia intrínseca, essa aliança de sabores e saliva,
esse desfazer do eterno sob o céu rapidíssimo
da boca.
apalpo agora o veludo do pêssego,
ensino à língua o sabor do outono, a suave alquimia
das figuras demoradas,
a melodia intrínseca, essa aliança de sabores e saliva,
esse desfazer do eterno sob o céu rapidíssimo
da boca.
Armando Silva
Carvalho, A sombra do mar, Assírio
& Alvim, 2015 (junho), pp. 15, 16